segunda-feira, 25 de agosto de 2008

FUNDO SOBERANO: Pra que te quero?


Tive a oportunidade de conversar com o deputado federal Pedro Eugênio (PT-PE), relator do Projeto de Lei que cria o Fundo em uma das comissões na Câmara Federal. A entrevista foi publicada na Folha de Pernambuco desta segunda (dia 25) e, devido àquela velha questão de espaço nos veículos impressos, saiu com alguns trechos cortados - o que é perfeitamente normal e aceitável.

Por se tratar de um tema atual e de bastante interesse nacional, publico aqui os trechos mais relevantes (que não saíram no jornal, óbvio).

O Fundo Soberano Brasileiro (FSB) ainda é um tema cercado de muitas polêmicas. Até pessoas envolvidas no debate têm uma certa dificuldade para compreender o assunto. O senhor pode explicar, resumidamente, do que se trata o fundo?
O Fundo Soberano, fundamentalmente, é o seguinte: de tudo que o governo arrecada no ano, ele vai separar R$ 14,5 bilhões e vai direcionar esse recurso ao fundo. Esse fundo vai aplicar esses recursos para apoiar empresas brasileiras no exterior, investimentos que sejam do interesse dessas empresas, e vai aplicar também no país. Para fazer esse trabalho de financiamento de ativos, vai ser criado um outro fundo – que vai ser, provavelmente, administrado pelo BNDES – dentro desse fundo maior. Esses recursos devem ser utilizados para fazer projetos de desenvolvimento. Além disso, esse fundo vai servir para outras coisas. Com esses reais, ele vai poder comprar dólares que entram no mercado. Como ele (o fundo) tem essa função de aplicar em projetos no exterior, no momento que compra e usa esse dólar para alguma ação lá fora... Digamos para entrar como sócio num conjunto de empresas brasileiras que vai implantar um projeto na África. Essa atividade vai precisar de alguém para pagar, não é dinheiro dado, não. Esse dinheiro vai ser emprestado lá fora e depois volta para o Brasil. Esse dólar sai do Brasil, e ao sair do Brasil, deixa de pressionar o câmbio.

Mas o Banco Central não já vem atuando nessa questão?
É... O Banco Central vem enxugando, tendo que comprar esses dólares. Mas ele compra esses dólares com recursos que precisa tomar emprestado. Ele toma emprestado e aumenta a dívida do país para poder tirar esse dólar.

Mas da mesma forma que ele aumenta a dívida, também aumenta a reserva.
É verdade. A dívida líquida não cresce porque ele (o BC) aumenta a dívida de um lado e a reserva do outro. Mas, da mesma forma, ele está lançando títulos e isso acaba pressionando a taxa de juros para cima. O fundo não vai precisar fazer esse caminho, ele vai direto com o real, compra o dólar e usa o dólar lá fora. Por isso ele trabalha no sentido de não valorizar tanto o real, isso faz com que nossos produtos sejam mais competitivos. Ele ajuda nesse esforço de ter um câmbio mais favorável às nossas exportações.

Como o BC tem reagido à criação desse dispositivo?
Olha... O BC tem, nas declarações públicas que tem feito, apoiado o fundo. Essa não é uma iniciativa isolada do Ministério da Fazenda ou do Tesouro Nacional, o BC faz parte do Governo Federal e está apoiando. Se, internamente, ele está insatisfeito, eu não sei. Isso é outra história. Mas o governo, como um todo, está apoiando essa iniciativa.

Como vai haver coordenação entre o Fundo e o Banco, no sentido de que ambos vão estar trabalhando com instrumentos que lidam com liquidez monetária, mercado de câmbio, etc? É preciso que um não contradiga o outro.
É verdade. Não está prevista uma coordenação formal, embora na formação do conselho de administração do fundo seja recomendado que esteja sentado um representante do BC, um do Tesouro, um da Fazenda. De qualquer forma, nós conversamos com o pessoal da Fazenda e eles disseram o seguinte: “Hoje, já existe essa duplicidade de ação, onde o BC utiliza títulos do Tesouro para fazer política monetária e o Tesouro lança títulos para administrar a dívida (política fiscal)”. Então, hoje, se houver alguma dificuldade de coordenação não é porque o fundo criou essa dificuldade, é porque deve ter ocorrido alguma falta de sintonia entre eles. Não é um instrumento que diz: “Ah, antes um só fazia isso, agora os dois fazem”.

Trazendo essa discussão para a seara política, o projeto está tramitando em regime de urgência, muito embora tenha ocorrido uma movimentação para tentar retirar isso.
É, mas não foi retirado.

Mas só pelo fato de ter ocorrido o movimento significa que existem insatisfações. Como estão sendo costurados os acordos políticos para que o Projeto de Lei seja aprovado no prazo?
Veja, alguns parlamentares tomaram essa iniciativa, se não me engano foi o deputado Jardins (Arnaldo), do PPS, fizeram um documento com assinaturas e entregaram ao Henrique Fontana (líder do governo). Foi uma solicitação, porque regime de urgência só pode ser retirado pelo autor, no caso, a União. É uma prerrogativa do autor. O governo entende que deve ser mantida a urgência, pela razão de que os recursos já estão sendo poupados. Esse excesso do superávit já está sendo reservado e se chegar em dezembro...

O governo já dá como certo, então?
Não... Mas se até dezembro você não cria o fundo, esse recurso vai ficar sem aplicação e não poderá passar de um exercício para um outro. Terá que, provavelmente, ser esterilizado. Há, realmente, uma pressa grande e vamos discutir. Acordos são feitos a partir do momento em que se discute e aí as coisas se aceleram.

Em relação, por exemplo, a relação do fundo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)... Ele (FSB), caso aprovado, não terá que aplicar os seus recursos somente após serem atingidas as metas previstas no orçamento?
O Fundo está trabalhando com o conceito de excesso de superávit primário. Parte-se do princípio que a arrecadação prevista na lei orçamentária se confirme. Se por acaso a receita só for suficiente para cumprir as metas da LDO, aí não tem excesso de superávit e não tem um tostão para o fundo. Por exemplo, se o orçamento prevê R$ 100 para 2009 e digamos que R$ 90 seja recursos para custeio e invesimento, R$ 10 para o superávit primário, e R$ 2 o excesso. Isso dá R$ 102. Se, de repente, o que se arrecada é 95, você paga os R$ 90, paga mais R$ 5, não cumpre a meta do superávit e o fundo... O fundo, esse é que não vai ter nada, mesmo. Então, para o fundo acontecer é preciso que haja o orçamento e o superávit fiscal previsto.

Alguns economistas dizem que vamos nos endividar mais para aplicar no fundo, que vai render menos do que vai custar a dívida com a qual o próprio vai ser comprado.
De fato, se você for ler o fundo (o PL), ele permite operações de lançamento de títulos. Em determinado momento, se a autoridade monetária quiser, ela pega título do tesouro, lança, pega o real e compra dólar para fazer aplicação no exterior. Do ponto de vista financeiro, é algo irracional. Teria que ser uma aplicação extraordinária lá fora. No entanto, se você imaginar que, daqui a dois anos, a Selic vai deixar esse patamar e cair para a metade, aí você tem uma aplicação lá fora que vai render mais.

O senhor não acha arriscado acreditar que a Selic vai cair isso tudo em dois anos?
Não, mas... Eu estou fazendo uma hipótese que, se isso acontecesse, poderia ser feito um endividamento. Não é fazer um endividamento agora supondo que ela vai cair. O fundo só vai usar esse recurso (lançar títulos) se a Selic cair. Além dos recursos do superávit, eu não vejo para que o fundo vai se endividar.

Com a divulgação recente do déficit registrado na balança de pagamentos, esse momento seria propício para por em prática a experiência de um Fundo Soberano?
Esse fundo não está sendo criado para administrar um momento conjuntural. Ele está sendo criado para nós termos um instrumento, já que sempre que há excesso de dólares, há a necessidade de trocar por real. Mesmo saindo esses dólares tanto como estão saindo, você terá um momento em que a economia estará aquecida demais e o BC vai precisar retirar reais. Quando ele troca por dólar, ele bota real e tira real ao mesmo tempo. O fundo vai ajudar nessa questão. Não é um instrumental conjuntural. E, inclusive, na minha opinião, ele vai abrir espaço para outros fundos. Com a receita do petróleo, esse fundo poderá até ser alimentado e fortalecido. Mas a preocupação do presidente Lula em ter a educação financiada com recursos do Petróleo, vai ser preciso outro fundo específico para isso. E tem que ser muito bem calibrado, porque se você inundar o país com real, trocando dólar por real, para jogar tudo isso na educação da noite para o dia, aí pipoca! Não é um mecanismo fácil. Você tem que programar despesas para 50 anos a frente. O que a Noruega fez? Pegou esse dinheiro e disse: “isso aqui vai ser para a previdência”. Então, o dinheiro não está sendo distribuído para todo mundo logo de imediato, não. Ele está estocado e será devolvido aos cidadãos, pouco a pouco, em forma de aposentadoria. É como se fosse uma barragem. Se você abrir tudo de uma vez, todo mundo morre afogado. Tem que ir soltando aos poucos, todo mundo irriga, bebe a água e fica satisfeito. Assim, ela vai dar para 50, 100 anos.
*A matéria publicada no jornal está disponível no link:

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